O ESPACO DA CIENCIA NA MIDIA: INFORMACAO CIENTIFICA E JORNALISMO Renato M.E. Sabbatini Faculdade de Ciencias Medicas e Nucleo de Informatica Biomedica da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP Introducao Quais sao os objetivos da divulgacao cientifica, do ponto de vista de quem a realiza ? O primeiro objetivo e' o de disseminar o conhecimento tecnico e cientifico para um publico nao especializado em ciencia, utilizando as midias de massa, impressas e eletrenicas. Esse objetivo, obviamente, esta' intimamente ligado ao das organizacoes da midia, que enxergam a divulgacao cientifica como uma das varias areas de producao, ou seja, da noticia ou materia relativa a editoria de Ciencia e Tecnologia (C & T). Esta, embora nao disponha ainda de espaco na midia que seja condizente com sua importancia no mundo contemporaneo (ao menos no Brasil), ja se encontra incorporada como tema de interesse generico relativamente alto por parte de varios segmentos do publico consumidor. Isso e comprovado tambem pelo numero de publicacoes especializadas dedicadas a divulgacao cientifica no Brasil, e que apresentam tiragens bastante significativas, como e o caso de "Ciencia Hoje", "Globo Ciencia", "Super-Interessante", suplementos de ciencia de alguns jornais, como "O Estado de Sao Paulo", etc. Finalmente, o terceiro objetivo e de natureza social e diz respeito ao papel da divulgacao cientifica como instrumento de educacao e de progresso de uma sociedade ou nacao. Como tal, cabe ao poder publico e a iniciativa privada, seja por dever, seja por opcao, encontrar mecanismos de apoio e fomento a tais atividades. Infelizmente, e uma atividade ainda rara em nosso meio, exemplificada pela instituicao de premios, como o Premio "Jose Reis" de Divulgacao Cientifica, pelo CNPq; financiamentos a fundo perdido para a producao de programas de divulgacao (como na Radio USP, TV Cultura de Sao Paulo, Programa "Estacao Ciencia", revista "Ciencia Hoje", etc.), programas de formacao de divulgadores cientificos, bolsas de estudos especificas para a area, etc. Este e o panorama concreto do espaco da ciencia na midia, e como tal, poderiamos dizer que se ele nao e o ideal, do ponto de vista quantitativo, no cenario brasileiro, pelo menos todas as modalidades e escopos estao aqui representados. Existem problemas, entretanto, que passaremos a discutir a seguir, e que embora nao sejam tipicos do Brasil, aqui assumem maior relevancia devido ao nosso estagio de desenvolvimento social, cientifico e tecnologico. O Dilema Utilidade versus Motivacao O primeiro conflito, ou dilema, da divulgacao cientifica surge exatamente em funcao do atrito entre seus objetivos utilitarios (como producao de material jornalistico que seja de interesse da populacao e que ajude a comercializar espacos) e motivacionais (divulgacao como atividade de disseminacao e educacao). Nem sempre os dois coincidem. Na midia de massa (jornais, revistas semanais, programas noticiosos de radio e TV), freqüentemente o noticiario jornalistico sobre C & T e condicionado pela necessidade de relatar o "novo", e influenciado pelo apelo do "sensacional". Muitas das pautas de divulgacao cientifica surgem quase que exclusivamente em funcao de noticias de impacto na imprensa mundial, como a implantacao de ovulos em mulheres depois da menopausa, etc. Em conseqüencia, numerosos temas cientificos que se considera essencial ou interessante divulgar, ficam sem espaco e nunca sao tratados com a devida relevancia, sendo totalmente ignorados pela populacao. Devido a grande penetracao que esses meios exercem na populacao em geral, a competicao pelo espaco destinado aos temas de C & T acaba gerando distorcoes indesejaveis. As revistas e os programas especializados em divulgacao, por outro lado, costumam exibir um melhor balanco de temas, mas, infelizmente, tem uma penetracao muito menor (baixa tiragem, publico especificamente interessado no tema, horarios inconvenientes de exibicao, etc.) Informacao e Critica Um segundo problema diz respeito a maneira como os temas cientificos sao divulgados. Infelizmente, o tratamento sensacionalista e cientificamente incorreto e bastante freqüente em nossa midia televisiva, devido a exploracao de temas de grande interesse pratico para a populacao, tais como novos tratamentos medicos, medicina alternativa, etc. Sao raros os programas que, exibidos em horario nobre e para grande publico, se dedicam ao tratamento adequado e bem balanceado de temas cientificos. Portanto, embora o espaco para ciencia possa existir, novamente ele surte efeitos indesejaveis do ponto de vista dos objetivos motivacionais da divulgacao cientifica. A divulgacao cientifica de forma nao critica, ou pior, acompanhada de critica incompetente, tambem pode causar serios problemas. Por motivos profissionais, salariais e ate de deficiencia de mercado, a maioria das editorias de C & T em publicacoes nao especializadas geralmente contam com jornalistas com pouca ou nenhuma vivencia cientifica, e que conseqüentemente se constituem em meros "digestores" de informacao de segunda mao. Convem explicar um pouco: existem, em geral, quatro origens possiveis para noticias de C & T publicadas na grande imprensa. A primeira e proporcionada por cabogramas de agencias internacionais, ou materias primariamente produzidas por outras publicacoes de divulgacao cientifica (como "New Scientist", jornais internacionais, etc.) e que geralmente sao simplesmente traduzidas e publicadas sem alteracoes. A segunda e proporcionada pelas assessorias de imprensa de universidades, institutos de pesquisa, etc., que ja entregam a informacao parcialmente "digerida", atraves dos famosos "releases". A terceira e obtida por reportagens e entrevistas realizadas diretamente com os geradores primarios da informacao, ou seja, os tecnicos e cientistas. Finalmente, a quarta e atraves da leitura de publicacoes originais de pesquisa, feitas em revistas nacionais ou internacionais ("Science", "Nature", "New England Journal of Medicine", etc.). No Brasil, as duas primeiras fontes predominam, por serem as formas mais baratas e rapidas de aquisicao da informacao publicavel sobre C & T. Desnecessario dizer que elas se constituem em forma extremamente acritica e estereotipada de divulgacao cientifica, a nao ser que sejam investigadas e complementadas com informacoes provindas das duas ultimas fontes. Estas, por sua vez, para serem feitas de forma profissional e satisfatoria, necessitam de jornalistas com um bom "background" cientifico, que o possam capacitar a editorar e comentar o material de forma critica. Se formos examinar como as materias de divulgacao cientifica sao geradas pelas publicacoes de maior prestigio no exterior, veremos que a ultima forma (acesso direto a informacao cientifica primaria) e a norma, geralmente atraves de "free-lancers" altamente especializados em divulgacao (cientistas ou jornalistas). No Brasil, esse tipo de divulgacao cientifica descompromissada com o sensacionalismo, com os aspectos utilitarios do jornalismo, e que recorre sempre as fontes primarias, foi fundado pelo Prof. Jose Reis. Infelizmente, e muito pouco imitado. A ocorrencia de alguns casos bastante lamentaveis de tentativa de critica de projetos de pesquisa cientifica na midia nao especializada, geraram grande polemica e reacao contraria por parte do "establishment" cientifico, que ve assim confirmadas a natureza predatoria e cientificamente incompetente de alguns orgaos da midia. A conseqüencia, altamente negativa, e a relutancia em fornecer informacoes para composicao de materias, principalmente quando os temas tratados sao polemicos do ponto de vista etico. Por isso, minha opiniao de que e melhor o jornalista realizar divulgacao cientifica de forma nao critica, do que tentar fazer critica cientifica ou social, a partir de conhecimentos cientificos. Os resultados sao quase sempre desastrosos. Um Projeto de Critica Cientifica Ao longo de nossa carreira de cientista, temos dado grande enfase a atividade de divulgacao cientifica, pois fica patente, a partir dos argumentos elaborados nos paragrafos acima, que os cientistas se constituem em colaboradores privilegiados e imprescindiveis neste processo, e nao se devem furtar a dar sua contribuicao. Somente eles, por exemplo, tem a competencia necesssaria para escrever criticamente sobre C & T. A partir de abril de 1991, pudemos testar essa ideia, atraves da oportunidade proporcionada pelo jornal diario de maior circulacao da regiao de Campinas, SP, o "Correio Popular", o qual criou um projeto inovador de "critico de ciencia", com uma coluna semanal no espaco editorial nobre do jornal (pagina 2). Passamos a contribuir de forma exclusiva para este espaco, dedicando artigos aos mais variados temas de interesse cientifico, enfocados principalmente sob o angulo do impacto social, filosofico, humano, politico e econemico dos grandes movimentos cientificos e tecnologicos, mas tambem voltados a divulgacao de novos conhecimentos para o publico leigo (Sabbatini, 1992). Ate marco de 1994 tinham sido publicadas, sem qualquer interrupcao, 154 artigos. A repercussao deste trabalho tem sido extremamente satisfatoria. Desde o inicio foi bastante grande o sucesso do projeto junto ao publico, constituindo-se, segundo pesquisas realizadas pelo jornal, em uma das colunas mais lidas. O numero relativamente grande de cartas contendo comentarios e elogios dos leitores tambem evidencia este sucesso, permitindo um fenemeno raro: o estabelecimento de um dialogo do autor com seu publico, sobre temas de interesse cientifico. Diversas vezes fomos inspirados ou instados a responder publicamente a essas cartas, inclusive atraves da redacao de novos artigos. Finalmente, o trabalho conjunto com o "Correio Popular" foi reconhecido nacionalmente, atraves da concessao do Premio "Jose' Reis" de Divulgacao Cientifica de 1992, segundo selecao unanime da Comissao Julgadora. Estes resultados nos permitem concluir algumas coisas: primeiro, que a alocacao de espaco para ciencia na midia pode ter uma repercussao muito maior do que os editores imaginam, principalmente quando eles tem a coragem de acreditar que esse espaco pode ser colocado nas areas nobres de um jornal ou revista. Segundo, fica demonstrada a viabilidade de se divulgar ciencia de forma critica, tendo como enfase a discussao do impacto que os grandes avancos tecnologicos e cientificos terao sobre a vida do cidadao comum. Terceiro, que a melhor maneira de realizar essa atividade e contar com cientistas experientes, mas que tenham motivacao e competencia para escrever para o grande publico. Bibliografia Sabbatini, R.M.E. - Divulgando Ciencia. "Correio Popular", p. 2, Campinas, SP, 16 de abril de 1992.