Renato Sabbatini A ciencia brasileira em 1993 Fazer uma retrospectiva critica da ciencia brasileira ao final do ano ja virou uma tradicao nesta coluna. Infelizmente, nao e' uma tarefa agradavel, pois ao termina-la ficamos sempre com a sensacao amarga de mais um ano perdido, de oportunidades desperdicadas e de falta geral de politicas coerentes de apoio a ciencia e a tecnologia. Mas noticias nao faltaram, algumas ate' parecendo piada de mau gosto. Por exemplo, em dezembro se reuniu a elite dos pesquisadores brasileiros em Informatica, em um belo sitio em Itaipava, Rio de Janeiro. Em discussao, um ambicioso projeto proposto pelo Governo Federal, atraves de suas agencias de financiamento de pesquisa, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnologico) e a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos do BNDES); cujo objetivo e formar parcerias entre os grupos universitarios e as empresas de Informatica nacionais. O projeto (chamado PROTEM), contempla linhas de financiamento para os centros de pesquisa que quiserem se associar a empresas e desenvolver linhas de pesquisa que resultem em produtos para o mercado. Em tese, otimo ! Realmente, e coisa de pais desenvolvido. O Japao, a Europa e os EUA ja tem varios consorcios universidade-empresa, e alguns deles, como os japoneses, foram essenciais para o rapidissimo progresso no mercado mundial de tecnologia de ponta. O que espantou todos os presentes, entretanto, e' que, depois de tres dias de exaustiva discussao e muito otimismo, o CNPq revelou a quantia de dinheiro a ser dividida entre 12 areas da mais alta importancia estrategica para o Pais: 3 milhoes de dolares ! Ou seja, da menos do que 300 mil dolares por area, o que e' uma quantia absolutamente ridicula, se pensarmos que cada area tem pelo menos 5 a 6 grupos de pesquisa, alguns deles necessitando muito mais do que isso para seus projetos (como por exemplo, o do Prof. Zuffo, da Politecnica da USP, que esta' com seu projeto de construcao de um supercomputador nacional parado ha' varios meses, a espera de verbas). Foi um verdadeiro banho de agua fria. Da vontade de pedir ajuda diretamente para o Deputado Jose Alves, com sua modesta movimentacao bancaria (conhecida) de 20 milhoes de dolares... Como disse o Presidente de Gaulle, este nao e um pais serio. Por outro lado, tivemos algumas boas noticias, todas elas relacionadas mais ao nao-desaparecimento, nao-interrupcao, nao-morte, etc., de varios programas e atividades, do que ao crescimento da area, como gostariamos que acontecesse. Em outras palavras, comemora-se o status quo ! Por exemplo: a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciencia) e outras centenas de associacoes cientificas continuaram a existir e fazer coisas de boa qualidade, como a Reuniao Anual em Recife, que foi um sucesso. O Ministerio de Ciencia e Tecnologia, que tinha sido extinto no governo Collor, foi restabelecido, e ganhou um ministro titular que e' do ramo, e que (felizmente, mas tambem curiosamente), foi um dos unicos que nao pediu demissao ou foi demitido pelo cambaleante governo Itamar. Boatos que ele (o ministerio) seria extinto novamente ainda nao se concretizaram, mas convem por as barbas de molho. Nenhuma das grandes revistas cientificas nacionais fechou as portas, o que chega a ser quase um milagre frente a crise do mercado editorial. Alias, a circulacao combinada de "Ciencia Hoje", "Globo Ciencia" e "Super-Interessante", as tres maiores, continuou bastante significativa e e um testemunho otimista de que a populacao se interessa por ciencia, ao contrario do que pensam os nossos governantes (e anunciantes das revistas, que continuam a fugir delas, inexplicavelmente). O unico setor que continua caminhando para a catastrofe total e' o educacional. No que pese seu lastimavel estado, o Ministerio da (des)Educacao continua sem nenhum projeto para consertar a situacao. No nosso estado, o mais rico da Federacao, o que se viu de novidade foi uma greve prolongada e altamente destrutiva dos professores, que serviu para piorar um pouco mais o nivel do ensino publico, a motivacao dos docentes, e a confianca dos pais e alunos no sistema. Enfim, os antigos gregos tinham uma fabula interessante, que pode nos servir de consolo. Quando Pandora abriu sua caixa, escaparam dela todas as pragas e coisas ruins desse mundo, antes que ela conseguisse fecha-la. Sobraram somente o Medo e a Esperanca. Por isso, diziam os gregos, toda vez que temos esperanca, tambem temos medo. E se nao tivermos esperanca, sobrara somente o medo... Por isso, um bom Ano Novo para todos nos ! Correio Popular, Campinas 30/12/93