Renato Sabbatini As maes-avos As conquistas medicas no campo da reproducao humana tem provocado alguns dilemas eticos e morais dificeis de resolver. A primeira tecnica a obter grande divulgacao e aplicacao foi a da inseminacao artificial, que consiste em introduzir o esperma diretamente no utero da mulher em ovulacao. Isso ja' levou, de inicio, aos problemas morais e legais causados pelas chamadas "maes de aluguel", bem como pelos bancos de esperma humano (um deles, nos EUA, se especializou em esperma de pessoas muito inteligentes e/ou bonitas...). Em seguida, vieram os "bebes de proveta", obtidos pela tecnica de fertilizacao do ovulo materno in-vitro, ou seja, fora do utero, seguido de sua implantacao no corpo materno para posterior desenvolvimento embrionario. No comeco, isso causou grande celeuma e estardalhaco na imprensa, mas hoje e' tao comum como tecnica reprodutiva para mulheres com determinados tipos de infertilidade, que ninguem mais fala nele. A grande novidade sao as maes-avos: mulheres que ja entraram em menopausa e que nao dispoe mais de nenhum ovulo proprio para obter bebes de proveta. Alguns medicos, inicialmente na Italia, ofereceram a possibilidade (tecnicamente simples) de fertilizar e implantar ovulos de outras mulheres. Assim, pode-se gestar filhos em mulheres de 50, 60 anos ou mais. Sera' que isso e' correto do ponto de vista da biologia feminina ? A menopausa tem uma funcao biologica bastante precisa, selecionada pela evolucao natural ao longo de milhoes de anos. Depois de uma certa idade da mae, o envelhecimento dos tecidos, a diminuicao de determinadas funcoes fisiologicas e imunologicas, etc., torna a gravidez um risco muito grande de saude para a mae e para o bebe. Por exemplo, entre outras coisas, o utero se torna relativamente incapaz de oxigenar o feto atraves da placenta, em comparacao com uma mae jovem. O risco de aborto aumenta, e o bebe nao cresce tanto quanto poderia. Um estudo feito nos EUA mostrou que a taxa de abortos espontaneos e' tres vezes maior entre mulheres de mais de 40 anos do que entre mulheres entre 25 e 35 anos de idade. O numero de criancas nascidas com peso baixo aumenta de 59 por cada mil nascimentos, para 84, e o numero de criancas com algum tipo de problema congenito de saude (desde alteracoes metabolicas ate' mongolismo) aumenta de 9 para 23, em cada mil nascimentos. O mais grave e' que praticamente nao existem dados deste tipo para mulheres acima dos 50 anos, porque elas nunca foram capazes de ter filhos naturais depois da menopausa. O ponto mais criticavel e' que a Medicina proporciona essa oportunidade sem ter realizado, como e' de praxe, estudos anteriores que mostrem qual o grau de risco que as maes-avos estao correndo. Utilizando-se ovulos de mulheres jovens e realizando-se um rigoroso check-up medico na area reprodutiva, este risco pode diminuir um pouco. Entretanto, ele ainda pode ser inaceitavel de diversos pontos de vista. Existe um outro problema que tem sido pouco tratado na imprensa: o que acontecera com o filho de uma senhora de seus 50 ou 60 anos de idade ? Em primeiro lugar, seu bem-estar psicologico pode estar em risco, tambem, pois ele sera diferente de todos os coleguinhas, que tem maes mais jovens, e seu relacionamento com a mae podera ser alterado. Alem disso, tem uma chance muito maior de ficar orfao mais cedo. Acho que as mulheres idosas que se submetem a um engravidamento artificial estao sendo egoistas e irresponsaveis. Querendo renovar suas vidas ja' vazias quanto ao aspecto de criacao de filhos, podem prejudicar a viabilidade e desenvolvimento daqueles que deveriam nascer em condicoes mais ideais. Os progressos medicos aumentaram muito a longevidade das mulheres. No passado, eram poucas as mulheres que atingiam a idade da menopausa, ou ainda, sobreviviam por muito tempo apos seu inicio. Hoje em dia, gracas ao progresso da Medicina, cada vez mais mulheres em boa saude sobrevivem 20, 30 e ate 40 anos ao fim da idade reprodutiva. Existem, no entanto, outras maneiras de apaziguar suas necessidades de uma vida util, sem ter filhos biologicos. Por que nao adotar algumas das inumeras criancas abandonadas, por exemplo ? Correio Popular, Campinas, 17/2/94